Em reunião na terça-feira (12), a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) deve analisar o acordo que permite a participação dos Estados Unidos em lançamentos a partir do Centro Espacial de Alcântara (CEA), no Maranhão. A reunião tem início às 11h, na sala 7 da ala Alexandre Costa.

O Projeto de Decreto Legislativo 523/2019, que reúne o texto do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos, é relatado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), favorável à aprovação do texto, que busca evitar o acesso ou a transferência não autorizada de tecnologias relacionadas com o lançamento a partir do CEA.

Com dez artigos, o acordo foi assinado em Washington, em 18 de março de 2019. As negociações do texto, já aprovado na Câmara dos Deputados, foram conduzidas pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

De acordo com o governo, o acordo tem por objetivo contribuir para tornar comercialmente viável o CEA para lançamentos de objetos espaciais, além de incrementar os laços de entendimento e cooperação entre os dois países signatários. O governo ressalta ainda a predominância de componentes tecnológicos nos objetos da indústria aeroespacial cujas patentes pertencem aos Estados Unidos. Esse contexto torna necessária a aprovação do acordo, tanto para assegurar a proteção dessas tecnologias quanto para viabilizar o uso comercial do CEA, com vistas à geração de divisas para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (PEB).

Lançamento de espaçonaves

O acordo estabelece que o Brasil não permitirá o lançamento, desde o CEA, de espaçonaves ou veículos de lançamento de propriedade ou sob o controle de países que estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou tenham governos repetidamente provido apoio a atos de terrorismo internacional. O texto ainda que o Brasil, em atenção às suas obrigações no tocante aos arranjos e acordos internacionais sobre não proliferação de que seja parte, não irá admitir, salvo entendimento entre as partes, o ingresso de equipamentos, tecnologia, mão de obra ou recursos financeiros no CEA provenientes de países que não sejam membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês).

O texto estabelece que o Brasil poderá utilizar os recursos financeiros obtidos por intermédio das atividades de lançamento para o desenvolvimento do PEB, mas não poderá fazê-lo para a aquisição, desenvolvimento, produção, teste, emprego ou utilização de sistemas da categoria I do MCTR.

O acordo trata ainda das licenças de exportação; da necessidade de se impedir o acesso desacompanhado ou não monitorado de pessoas não autorizadas; da necessidade de ambas as partes firmarem um Plano de Controle de Transferência de Tecnologia; e das hipóteses de revogação ou suspensão de licença de exportação pelos dois países.

Material radioativo

O acordo também dispõe sobre dados técnicos autorizados para divulgação. A regra é a de não se permitir a divulgação de informações referentes aos veículos lançadores, espaçonaves e equipamentos dos EUA. O texto estabelece, entretanto, que o governo dos EUA deverá assegurar que sejam fornecidas ao governo brasileiro informações relacionadas à presença de material radioativo ou de qualquer substância definida como potencialmente danosa ao meio ambiente ou à saúde humana, de acordo com a legislação brasileira.

O governo dos Estados Unidos deverá assegurar, também, que sejam fornecidos ao governo brasileiro os parâmetros orbitais básicos e as funções gerais de espaçonaves dos EUA lançados do CEA.  Também está prevista a necessidade de se manusear e salvaguardar quaisquer informações militares classificadas, obtidas por conta de atividades realizadas em conformidade com o tratado, tendo em consideração a legislação aplicável e o Acordo Bilateral Relativo a Medidas de Segurança para a Proteção de Informações Militares Sigilosas, que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 8.694, de 2016.

O acordo versa ainda sobre procedimentos operacionais, incluindo os preparativos no CEA e os trâmites de pós-lançamento. O texto determina que, na hipótese de requisição pelo governo brasileiro, os contêineres devidamente lacrados que transportem veículos, espaçonaves, equipamentos afins ou dados técnicos dos EUA somente deverão ser abertos para inspeção, enquanto estiverem em território nacional, por participantes norte-americanos na presença de autoridades devidamente acreditadas pelo governo brasileiro.

Controle de imigração

O acordo estabelece ainda que os participantes dos Estados Unidos estarão sujeitos ao controle de imigração e alfândega brasileiros, conforme os procedimentos estabelecidos pelas leis e regulamentos locais.

O texto determina que qualquer controvérsia entre as partes será solucionada por meio de canais diplomáticos. Quanto à apresentação de emendas e de denúncia, esta poderá ser formulada por qualquer das partes após o decurso do prazo de um ano, a partir da data de notificação por escrito.

As obrigações quanto à segurança, à divulgação e ao uso de informações, bem como restituição de veículos, espaçonaves, equipamentos ou dados técnicos, deverão continuar a ser aplicadas mesmo após a eventual expiração do acordo.

Comunidade científica

Em seu relatório, Roberto Rocha afirma que o acordo “está em consonância com os anseios da comunidade científica nacional, com as aspirações do meio acadêmico brasileiro afeto ao tema, com os interesses da Força Aérea Brasileira, com o entusiasmo do setor aeroespacial do país”.

O relator destaca que os Estados Unidos são os detentores da imensa maioria das patentes relacionadas com o lançamento de satélites, e que quase 80% dos equipamentos espaciais do mundo possuem algum componente daquele país, atualmente o maior lançador de um mercado estimado anualmente em 350 bilhões de dólares.

Na avaliação de Roberto Rocha, a entrada em vigor do acordo colocará o Brasil no mercado global de lançamentos de carga ao espaço, além de destravar a operação comercial de Alcântara e viabilizar a implantação da política espacial brasileira com a geração de expansão tecnológica, desenvolvimento social e crescimento econômico.

O relator argumenta ainda que os Estados Unidos mantêm acordos de salvaguardas tecnológicas da mesma natureza com China (1993), Índia (2009), Nova Zelândia (2016) e Rússia (2007). Ele lamenta, contudo, que tratado semelhante, celebrado em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, não tenha prosperado na Câmara.

“Perdemos 19 anos de experiência e de recursos. Sobressaíram, na altura, argumentos contrários com viés ideológico. E, no ponto, convém lembrar que a ideologia pura diminui a capacidade de análise. Tanto assim, que o Congresso Nacional aprovou naquela oportunidade acordo virtualmente idêntico com a Ucrânia e que, até os dias de hoje, não resultou em nada de concreto”, ressalta Roberto Rocha no relatório.

Fonte: Agência Senado