Ela é beneficiária da justiça gratuita
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a possibilidade de utilização de créditos obtidos por uma técnica de enfermagem do Hospital e Maternidade Med-Center Ltda., de Patrocínio (MG), para o pagamento de honorários advocatícios. O colegiado levou em conta, entre outros fundamentos, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucionais dispositivos da Reforma Trabalhista que permitiam a utilização de valores referentes a ações judiciais para essa finalidade.
Honorários
Na reclamação trabalhista, a técnica de enfermagem pedia a condenação do hospital ao pagamento de diversas parcelas, como adicional de insalubridade, horas extras e indenização por assédio moral. Com o deferimento apenas parcial dos pedidos, o juízo de primeiro grau determinou que ela pagasse os honorários sucumbenciais (devidos pela parte perdedora) em relação às parcelas indeferidas na ação.
Tendo em vista que ela era beneficiária da justiça gratuita, a sentença definiu a utilização de valores obtidos no mesmo processo ou em outros para quitar o débito. O fundamento foi o artigo 790-B da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017).
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) manteve a sentença.
Direitos fundamentais
Para o ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do recurso de revista da técnica de enfermagem, a extensão da responsabilidade pelo pagamento dos honorários a pessoas beneficiárias da justiça gratuita compromete, de forma significativa, os direitos fundamentais ao acesso à Justiça e à própria justiça gratuita. “Para as pessoas economicamente (ou socialmente) vulneráveis, o amplo acesso à jurisdição somente se torna possível e real caso haja, de fato, a efetiva garantia da gratuidade dos atos judiciais”, afirmou.
Mecanismo fictício
O ministro explicou que a hipossuficiência econômica que gera o direito à gratuidade consiste na insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem comprometer a própria subsistência ou a de sua família. “Parte significativa dos autores de ações trabalhistas são pessoas desempregadas ou trabalhadores com renda salarial relativamente modesta”, assinalou.
Nesse sentido, o relator considera que a norma, ao admitir a utilização dos créditos obtidos na mesma ação ou em outras, cria um mecanismo fictício de perda da condição de hipossuficiência incompatível com a ordem constitucional. “Reconhecida a incapacidade da autora da ação de suportar os custos de uma demanda judicial, caberia ao Estado a responsabilização pelo pagamento dos honorários advocatícios”, defendeu.
STF
O ministro ainda ressaltou que, em 2021, o STF declarou inconstitucional a parte do dispositivo da CLT que admitia a utilização dos créditos. Na sua avaliação, esse entendimento quer dizer que os créditos judiciais recebidos em qualquer processo não são computáveis e não interferem na qualificação da trabalhadora como hipossuficiente. Assim, a aptidão financeira deve ser aferida e provada por meio da existência de outros recursos.
Com a decisão, fica suspensa a exigibilidade do pagamento dos honorários, e a técnica somente poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade. Passado esse prazo, a obrigação se extingue.
A decisão foi unânime. No mesmo julgamento, a Turma também condenou o hospital a pagar horas extras e 15 % de honorários à ex-empregada.
(Carmem Feijó)
Processo: RR-10005-65.2019.5.03.0080
Fonte: TST
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