O evento abordou ainda questões de gênero e raciais
A democracia e as relações de emprego e de trabalho no Brasil foram debatidas, nesta quinta-feira (4), no “Seminário 80 anos da CLT – Dignidade e Justiça Social”. O trabalho análogo à escravidão e os direitos trabalhistas adquiridos pela CLT foram destaque na apresentação do senador da República Paulo Paim (PT-RS) e do diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), ministro Mauricio Godinho Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho.
Farol
“Os objetivos fundamentais da CLT são assegurar remuneração justa e condições dignas de trabalho” afirmou o senador. Segundo ele, foi a partir da década de 30 que começou a avançar a regulamentação do trabalho no Brasil, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1939, e o decreto que organizou a Justiça do Trabalho para julgar os conflitos oriundos das relações entre empregados e empregadores.
O senador destacou que foi num contexto de grandes transformações econômicas e em meio à Segunda Guerra Mundial que surgiu a CLT. “Ela não foi e não é figurante na história do Brasil. Ao contrário, cumpre seu papel de destaque no direito dos trabalhadores do campo e da cidade, mas, sobretudo, influencia a vida de milhões de pessoas. Ela é um farol que assegura os direitos mínimos inerentes ao nosso povo”.
Papel civilizatório
O ministro Mauricio Godinho Delgado, em sua participação, fez uma contextualização histórica desde o trabalho escravo. A seu ver, a CLT é o documento político, jurídico, cultural mais importante da história brasileira até a Constituição Federal. “A inserção dos direitos trabalhistas na Constituição dá exemplo para o mundo e mostra o papel civilizatório da CLT”.
Outro tema abordado na apresentação foram as questões de gênero raciais nas relações de trabalho. O ministro reforçou que não há como estudar o direito do trabalho sem estudar esse temas. “As elites brasileiras têm muita dificuldade de respeitar o trabalho humano”, avaliou.
Protagonismo apagado
Para a diretora do Arquivo Nacional, Ana Flávia Magalhães Pinto, a precariedade da liberdade das pessoas negras era um dado comum nas práticas cotidianas. “Tomar uma pessoa negra como escravizada, até que ela se provasse livre ou liberta, marcou muito as relações de trabalho nesse país”, afirmou. Para ela, a equivalência entre liberdade e cidadania não estava no horizonte.
A historiadora observa que a presunção da escravidão manifestava dinâmicas de racialização e racismo tão profundamente arraigadas que, a despeito do que pode ser lido em inúmeros documentos espalhados pelos arquivos do país, é comum o equívoco de pensar que, antes da abolição, esse segmento não teria reivindicado direitos como trabalhadores e cidadãos. “Isso apaga o protagonismo de amplas parcelas da população negra na construção das greves, da formação dos primeiros sindicatos e dos partidos socialistas operários. Portanto, sequestra a agência histórica do povo brasileiro”, destacou.
Justiça do Trabalho e direitos fundamentais
A desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) Magda Barros Biavaschi fez um contexto histórico e reafirmou que a Justiça do Trabalho é a única capaz de solucionar, conciliar e julgar os conflitos sociais decorrentes do trabalho. “A reafirmação dessa competência cabe a nós. Instituição que não pensa nos direitos fundamentais e sociais não assegura a democracia, e não há democracia sem direitos sem direitos sociais fundamentais”.
Motor
A proteção ao trabalho e a efetividade dos direitos humanos marcaram a apresentação da desembargadora do TRT da 1ª Região (RJ) Sayonara Grillo Coutinho, para quem a Justiça no Trabalho é um motor que transforma as instituições. “Se o tribunal é o tribunal da justiça social, a justiça social invoca uma racionalidade de análise dos fatos”.
Entre outros temas, a professora refletiu sobre os déficits e os desafios para a proteção do trabalho enquanto processo de efetivação dos direitos humanos. “Esses direitos são entendidos como processos de luta”. Também fez um diagnóstico de ausências de direitos e abordou as possibilidades que se abrem com as presenças de direito.
Justiça social
Ao finalizar o seminário, o presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, ressaltou que a função do direito do trabalho e da intervenção do Estado nas relações de trabalho é reduzir as desigualdades, controlar o poder econômico e fazer justiça social. “Que nós nos inspiremos no sentimento de absoluto comprometimento com os valores humanistas consagrados na nossa Consolidação, como o faz a OIT desde 1919. E, para que não pairassem dúvidas, a Organização escreveu na pedra fundamental de seu edifício em Genebra a seguinte frase: ‘Se quer a paz, cultive a justiça’. Que estejamos visceralmente comprometidos com a justiça social”.
(Nathália Valente/CF)
Assista a íntegra da parte da tarde do seminário:
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