Por decisão unânime tomada na tarde desta terça-feira (13), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, nos crime de estelionato, não é necessária a exigência da representação (autorização) da vítima para o cabimento de ação penal nos casos em que o Ministério Público já tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal (CP). Esta é a primeira vez que a Turma analisa a matéria.

Representação da vítima

A nova regra para a instauração da ação penal pelo crime de estelionato, introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), incluiu o requisito ao mudar a natureza da ação penal de pública incondicionada para pública condicionada à representação da vítima. Dessa forma, o promotor não pode mais denunciar o acusado do crime de estelionato se a vítima não se manifestar nesse sentido, salvo quando se tratar de crime contra a Administração Pública (direta ou indireta), criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, maior de 70 anos de idade ou incapaz.

Lesão a hipossuficientes

A decisão da Primeira Turma ocorreu no julgamento do Habeas Corpus (HC) 187341, impetrado em favor de Eric Fabiano Arlindo que, por meio de sua empresa, lesava pessoas hipossuficientes ao oferecer a renegociação de dívidas. Há registros de que ele teria cometido o crime contra mais de 100 vítimas e, no caso concreto, induziu a erro duas pessoas, ao fazê-las acreditar que seriam ajuizadas ações visando à revisão contratual dos juros de contrato de financiamento de um veículo. Por esse fato, Arlindo foi condenado pela Sexta Câmara de Direito Criminal no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a um ano de reclusão, em regime aberto, além de 10 dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade.

A defesa buscava a extinção da punibilidade com base no artigo 107, inciso V, do Código Penal, e argumentou ainda a necessidade de aplicação da norma mais benéfica introduzida pelo Pacote Anticrime, que passou a exigir representação do ofendido como condição para a abertura da ação penal relativa ao crime de estelionato. A condenação foi mantida pelo TJ-SP e, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o relator negou medida liminar. Contra essa decisão, os advogados recorreram ao Supremo por meio do HC analisado hoje pela Turma.

Condição de procedibilidade

voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, orientou a decisão unânime da Corte. Ele observou que o tema é extremamente recente, sendo essencial o pronunciamento da Corte diante do novo tratamento dado a um antigo tipo penal. No seu entendimento, a nova legislação não prevê a manifestação da vítima como condição ao prosseguimento da ação penal quando o Ministério Público já tiver oferecido a denúncia, independentemente do momento da prática do delito.

Segundo o relator, a representação da vítima é obrigatória nos casos em que não tenha sido iniciada a ação penal, em razão da incidência do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal. No entanto, a nova regra não pode retroagir às hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, pois, naquele momento, a norma processual em vigor definia a ação como pública incondicionada para o delito de estelionato.

Ato jurídico perfeito

No voto condutor, o ministro Alexandre de Moraes destacou que, como não possibilidade de retratação da representação após o oferecimento da denúncia, conforme dispõe o artigo 25 do Código de Processo Penal, a hipótese em julgamento é de ato jurídico perfeito. Sendo assim, a manifestação de interesse ou desinteresse da vítima sobre essa denúncia não repercute mais na continuidade da persecução penal.

Indeferimento

No caso em julgamento, o relator não verificou ilegalidade, constrangimento ilegal ou decisão absurda que justifique a concessão excepcional do habeas corpus. A seu ver, a decisão questionada negou corretamente a necessidade de representação da vítima do estelionato, uma vez que a denúncia já tinha sido oferecida antes da reforma legislativa que modificou a natureza da ação penal de incondicionada para pública condicionada.

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