O Senado começa o segundo semestre com a previsão de instalação da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar a veiculação de notícias falsas. O requerimento para a criação do colegiado foi aprovado na última sessão do Congresso Nacional, no dia 3 de julho. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre — que também preside o Congresso — já pediu aos líderes que indiquem os nomes dos integrantes da comissão, que será chamada de CPI Mista das Fake News.
A comissão será composta por 15 senadores e 15 deputados, além de igual número de suplentes. A CPI terá 180 dias para investigar a criação de perfis falsos para influenciar as eleições do ano passado e ataques cibernéticos contra a democracia e o debate público. A prática de ciberbullying contra autoridades e cidadãos vulneráveis também será investigada, assim como o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.
Enfrentar o volume e as consequências das fake news é uma tarefa complexa, por se tratar de um sistema amplo que envolve pessoas com conhecimento técnico sobre o funcionamento de plataformas (como WhatsApp, Twitter, Facebook e Google) para promover artificialmente a desinformação. São comentadores pagos, exércitos de trolls (usuários que provocam e desestabilizam emocionalmente outros na internet), pessoas ou empresas que controlam centenas de contas com perfil falso em redes sociais e atuam de forma coordenada para compartilhar essas informações.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) advertiu sobre os perigos das notícias falsas, ao citar as campanhas contra a vacinação, com prejuízo para a saúde pública.
— Muita gente deixou de vacinar no Brasil. Saíram dizendo que vacina faz mal. Tudo isso foi muito divulgado e traz consequências sérias. Está aí o resultado: a volta do sarampo, da catapora, que é doença que a gente tinha erradicado e agora retorna por falta de vacina.
A influência das fake news na sociedade, potencializada pela internet, está levando também à desqualificação dos veículos tradicionais de imprensa e dos profissionais da comunicação. Para o senador Carlos Viana (PSD-MG), que é jornalista, trata-se de um risco para a manutenção da democracia.
— As notícias falsas atendem a interesses escusos e obscuros e levam as pessoas, muitas vezes, a cometerem erros. Vamos mostrar aos cidadãos que a política é o caminho certo para que os desafios do país sejam resolvidos. Fora da política, não há democracia, não há justiça, não há equilíbrio no país, inclusive na distribuição de riquezas — destacou.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) ressalta que política não se faz mais “com palanque e oratória”, mas que o avanço da tecnologia nem sempre privilegia a verdade dos fatos.
— Na última eleição, vivenciamos mentiras sendo propagadas pelos celulares, que doutrinaram as pessoas. A pessoa pode ser de direita ou de esquerda, mas para propagar as suas ideias, precisa ter transparência e qualidade de informação, seja ela qual for — resumiu.
Brumadinho
No primeiro semestre, uma outra CPI funcionou no Senado, desta vez para investigar o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. O relatório final da comissão, apresentado pelo senador Carlos Viana no início de julho, pediu o indiciamento de 14 pessoas pelo crime de homicídio com dolo eventual. O desastre ocorrido em janeiro deixou 248 mortos e 28 desaparecidos.
O engenheiro Fábio Schvartsman, presidente da Vale na época da tragédia, encabeça a lista de indiciados. Além de homicídio, ele pode responder por lesão corporal culposa, destruição culposa de flora de preservação permanente e de Mata Atlântica e poluição culposa que provoca a morte de fauna e flora. Somadas, as penas podem chegar a sete anos de prisão.
Carlos Viana recomenda os mesmos indiciamentos para outros 11 funcionários da Vale e dois engenheiros da empresa Tüv Süd, Makoto Namba e André Jum Yassuda. A empresa terceirizada foi responsável por um laudo que atestou a segurança da barragem de Brumadinho.
Além das pessoas físicas, o relator sugere o indiciamento das empresas Vale e Tüv Süd.
— A Vale é uma empresa que precisa repensar a questão do lucro acima da vida das pessoas. Então, a partir de agora, não só a Vale, mas grandes grupos que trabalham com impactos ambientais, vão ter que repensar a sua atuação diante das reações internacionais a esse tipo de evento — avaliou Carlos Viana.
O relator sugere também a apresentação de três projetos de lei. A primeira proposição confere mais segurança às barragens de rejeitos de mineração. O texto proíbe o licenciamento ambiental de novos equipamentos e estabelece prazo de dez anos para a desativação dos já existentes ou em fase de construção.
O projeto prevê ainda a criação da Taxa de Fiscalização de Segurança de Barragens de Rejeitos, que deve ser paga pelo empreendedor à Agência Nacional de Mineração (ANM). O valor depende do volume de barragens de rejeitos e pode variar de R$ 5 mil a R$ 120 mil.
A segunda proposição estabelece a criação de dois tipos complementares de tributação: royalties e participação especial. A primeira cobrança incide sobre o valor bruto da produção, enquanto a segunda se refere à receita líquida obtida em cada mina. De acordo com esse sistema, todos os empreendimentos pagam royalties, mas a participação especial recai apenas sobre aqueles com grande produção. A alíquota máxima será de 40%.
A terceira proposta endurece as penas e tipifica novos crimes ambientais. A legislação em vigor prevê punição de um a quatro anos de reclusão para casos de poluição. O projeto sugerido pelo relator eleva a pena para oito anos se o crime provocar “desastre ecológico de grande proporção ou que produza estado de calamidade pública”. Se provocar morte humana, a punição pode ser aplicada em dobro.
O texto considera crime “dar causa a rompimento de barragem”. A pena é de dois a cinco anos mais multa, mas pode chegar a oito anos se o crime tornar a área imprópria para a ocupação humana; provocar mortandade de animais ou destruição significativa da flora; causar poluição que impeça o abastecimento de água; causar prejuízos ao patrimônio histórico-cultural; ou afetar o modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais.
O projeto também eleva o valor de multas aplicadas a quem violar as leis de uso, proteção e recuperação do meio ambiente. Na legislação em vigor, elas vão de R$ 50 a R$ 50 milhões. Viana recomenda valores que variam de R$ 2 mil a R$ 1 bilhão.
Presidente da Comissão do Meio Ambiente (CMA), o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) entende que o trabalho da CPI de Brumadinho atendeu as expectativas.
— A proposta é da criação de um modelo que impeça vínculo econômico direto entre a empresa que faz a auditoria e a empresa avaliada. Considero perfeito isso. É evidente que o modelo atual não está funcionando e não garante a isenção necessária para atestar a segurança. O Estado fica na inércia de omissão e as tragédias vão se sucedendo. Temos quase 800 barragens no país, com apenas 16 fiscais. É preciso uma reestruturação administrativa por parte do governo para que se fiscalize adequadamente a atividade — opinou.
Agência Senado
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