Uma decisão da Justiça do Distrito Federal, concedeu a mulheres transexuais vítimas de ameaça e lesões corporais um direito importante: o de terem os casos julgados na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A decisão autoriza, ainda, a aplicação de medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha.
Até então, alguns processos que tratavam de casos de violência contra mulheres trans podiam ser redistribuídos para a Vara Criminal. Foi o que aconteceu com Raquel Almeida Duarte – vítima do caso que levou à decisão do TJ.
No ano passado, ao chegar em casa, ela foi atacada pelo ex-namorado com socos, pontapés e pauladas – um crime supostamente motivado por ciúmes, depois de um passeio com um grupo de amigas. Ela foi internada e teve de passar por cirurgia.
Em uma primeira análise do caso, o juiz de primeira instância considerou que Raquel, por ser uma mulher trans, não poderia ser amparada pela Lei Maria da Penha. A legislação, segundo ele, se aplicaria apenas às mulheres cissexuais (que nasceram no corpo feminino).
Novo entendimento
Após recurso, os desembargadores da 1ª Turma Criminal revisaram a sentença. Com base no entendimento de que “o gênero feminino da vítima parte de sua liberdade de autodeterminação”, eles concederam à mulher o direito de, ao menos, ter um pedido de medida protetiva avaliado pela Justiça.
Como precedente eles usaram afirmações de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que, anteriormente, decidiram pela possibilidade de alteração de nome e gênero no registro civil mesmo que a pessoa não tenha passado pela cirurgia de redesignação de sexo.
“A liberdade de gênero não se prova.”
Nesse caso, a alteração do registro de identidade ou a cirurgia de mudança de sexo da vítima, portanto, seriam apenas “opções postas à sua disposição para que exerça de forma plena e sem constrangimentos sua liberdade de escolha”, afirmou o relator do caso.
Para os magistrados, da mesma forma e por analogia, essas não seriam condicionantes para que Raquel seja considerada mulher.
“Além disso, uma vez que se apresenta dessa forma, a vítima também carrega consigo todos os estereótipos de vulnerabilidade e sujeição voltados ao gênero feminino, combatidos pela Lei Maria da Penha.”
Decisão inédita
No início do mês de abril a Polícia Civil do Distrito Federal abriu inquérito para investigar um caso semelhante. Dessa vez as agressões foram a uma mulher transexual em uma lanchonete de Taguatinga, no domingo de Páscoa (1º). O caso foi registrado como tentativa de feminicídio – uma atitude inédita na capital federal.
A decisão foi tomada pela chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes de Intolerância (Decrin), Gláucia Cristina. Ao G1, ela afirmou que o caso foi enviado à equipe dela, justamente, pelo caráter delicado do tema.
“O caso aconteceu na área da 17ª DP (Taguatinga Norte) e foi registrado na 12ª DP (Taguatinga Centro). Mas aí, pediram pra gente ‘puxar’ a ocorrência, justamente por conta do tema. Mesmo eles já tendo identificado os autores, acharam que pela sensibilidade, seria melhor passar pra gente”, diz.
“É perfeitamente cabível enquadrar em tentativa de feminicídio. O crime foi muito violento e, segundo as testemunhas, o grupo gritava ‘vira homem, vira homem’. Então, há uma motivação que é de gênero.”
Além do agravante de feminicídio – quando uma mulher é vitima de homicídio tentado ou consumado em um crime de ódio, motivado pelo gênero –, Gláucia Cristina diz ver “dolo eventual” no caso.
O termo se refere à conduta de alguém que, apesar de não ter a intenção clara, assume o risco do crime (no caso, de matar a vítima). “Foi com pedra, cadeira, pau, tudo”, cita.
Ao fim das investigações, o caso será remetido ao Ministério Público. Se o entendimento da Polícia Civil for mantido, cabe ao MP apresentar à Justiça uma ação penal contra os suspeitos pela tentativa de feminicídio.
Fonte: G1
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