Órgãos pedem explicações para os preços similares nas bombas de combustível do DF após o aumento do imposto determinado pelo governo federal; números mostram que margens de lucro dos empresários dobraram na semana posterior ao anúncio
A média das margens de lucro de proprietários de postos de gasolina subiu após a elevação da incidência tributária sobre o combustível, segundo levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Da semana anterior ao anúncio do Palácio do Planalto à seguinte, o provento dos proprietários mais que dobrou — com um salto de 8,5% para 19%. Entre 30 de julho e 5 de agosto, o ganho caiu para 10,9%. Ainda assim, segue superior ao de antes da elevação do PIS/Cofins. O percentual de lucro e a uniformização dos preços em dezenas de bombas do Distrito Federal estão na mira do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e do Centro Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Para consolidar o estudo, a ANP compara os preços em 34 postos de combustível do DF (veja Comparação). Entre 16 e 22 de julho, a gasolina era encontrada ao preço médio de 3,236. Já na semana compreendida entre 30 de julho a 5 de agosto, o valor subiu para 3,675. O Palácio do Planalto anunciou a elevação dos tributos em 20 de julho. O Procon também realizou um levantamento, com amostra menor: 32 postos de gasolina. Os resultados estão nas mãos de representantes do setor jurídico do órgão — caberá a eles identificar se a alta no valor dos combustíveis, de acordo com os percentuais identificados, configura-se como prática abusiva. Segundo técnicos de fiscalização, uma semana antes da alta da incidência do PIS/Cofins, havia variação de lucro de 0% a 20,51%. Na última semana, a variação ficou entre 8,99% e 18,06%.
“Os dados coletados não são suficientes para bater o martelo. É necessário observar outros pontos, como o tamanho do empreendimento e o mapa de custeio, por exemplo”, explica o diretor de fiscalização do Procon, Nivaldo da Silva. A expectativa é que o órgão finalize o relatório em até 20 dias. Caso preços abusivos sejam identificados, os proprietários serão notificados e terão 10 dias para apresentar defesa. O valor da multa varia entre R$ 400 e R$ 6 milhões.

Cartel

Não é apenas a possível prática de valores abusivos que está sob observação. Responsáveis pela desarticulação do cartel que acertava e inflava os valores da gasolina na capital, MPDFT e Cade investigam o motivo da similaridade dos valores registrados em dezenas de bombas da capital. Na avaliação do titular da 1ª Promotoria de Defesa dos Direitos do Consumidor (Prodecon), Paulo Binicheski, a uniformização é clara; resta saber se houve acordo entre empresários para tanto. “O cartel tem duplo aspecto: econômico e criminoso. Observamos que, com a alta dos impostos, os valores voltaram a ser alinhados, com uma mínima diferença entre as cifras. Agora, é necessário clarificar se existiu um novo acerto entre os proprietários”, explica.
Outra instância do MPDFT também está de olhos abertos em relação à combinação de preços entre empresários do ramo de combustíveis. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) ainda não finalizou as investigações no âmbito da Operação Dubai, que desarticulou o cartel que atuava na cidade, com a prisão de empresários e a aplicação de multas que atingem R$ 150 milhões.
A investigação do órgão deve ser incrementada, ainda, por uma listagem elaborada pelo Procon, com a descrição de quantos e quais postos apresentam preços similares nas bombas de combustível. “Os valores quase idênticos em diversos postos despertaram nossa atenção. Ampliaremos a amostra atual para comunicar o órgão responsável pela investigação e tipificação de crimes”, destaca o diretor de fiscalização Nivaldo da Silva.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também está em sinal de alerta. O órgão requisitou informações sobre o valor dos combustíveis, durante os meses de junho e julho, à ANP, aos postos e às distribuidoras do DF para a análise do quadro. Em nota, a assessoria de imprensa informou que o monitoramento visa identificar se os aumentos similares decorrem de uma coordenação entre concorrentes ou de um movimento natural do mercado. Destacou-se, ainda, que o inquérito administrativo em custo sobre a prática de cartel no DF segue sob instrução na Superintendência-Geral.
O Correio tentou, por diversas vezes, contatar o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis do DF para comentar a alta na lucratividade de postos de gasolina e a possível prática de cartel, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. Em entrevista na última quinta-feira, no entanto, o presidente da associação, Daniel Costa, justificou que a margem de lucro passou a oscilar com a mudança da política da Petrobras e com a crise econômica. “Antes, o reajuste para os postos era a cada 15 dias. Agora, essa revisão é diária. Todo dia, quando fazemos os pedidos, o preço das distribuidoras está diferente”, disse.
Para o integrante do Conselho Regional de Economia José Luiz Pagnussat, empresários do setor tentam recompor a margem de lucro, afetada por promoções relâmpagos vistas nos dias anteriores à elevação do PIS/Cofins. “Antes, havia uma concorrência maior, a gasolina era vendida, até mesmo, por R$ 2,99. Com o tempo, essa baixa dos valores causaria prejuízos aos empresários. Agora, eles tentam recompor o caixa. E, com a nova política da Petrobras, vem mais aumento por aí”, aposta.

Peso no bolso

 Quem paga o preço pela alta do combustível e pela uniformização do mercado é o contribuinte, base da pirâmide. O programador de sistemas Marcos Vinícius, 28 anos, mudou totalmente a rotina para se ajustar ao novo valor da gasolina. Morador do Novo Gama, ele deixou o carro na garagem e passou a ir para o trabalho, no Setor de Autarquias Sul, de ônibus. O jovem conta que, no começo do ano, fazia 100km por dia, totalizando R$ 550 de gasto mensal com gasolina. Se continuasse a usar o carro todos os dias, o valor subiria para R$ 800. “O cartel nunca foi embora. Eles (os donos dos postos) mudam os centavos só para falarem que não está tudo no mesmo preço. Não se preocupam com os motoristas, que são os consumidores finais”, relata Marcos, com indignação.
A nova realidade também pesou no bolso de Danilo Ranieli, 29. O técnico em informática, agora, prefere usar a moto para trabalhar, gastando R$ 15 por dia. Para ele, não compensa sair da região onde mora, em Valparaíso, e ir de carro para a Asa Norte, onde trabalha. “Quando uso o carro gasto cerca de R$ 30 por dia. Então tive de me adequar. Ainda assim, o meu gasto diário subiu R$ 4,50. Isso não tem explicação, quem sofre é o povo.”
Fonte: Correio Braziliense