Um parecer da comissão de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para alteração de mais de 30 súmulas do tribunal, divulgado na semana passada, ganhou destaque na imprensa porque, para o TST, alguns pontos da reforma trabalhista só valeriam para contratos novos, ou seja, aqueles firmados depois de 11 de novembro de 2017.
Esse entendimento difere da MP assinada pelo presidente Michel Temer, também de novembro, segundo a qual a reforma valeria para todos os contratos existentes. O parecer da comissão, formada por três ministros, ainda será votado pelo plenário do TST, composto por 26 ministros, em 6 de fevereiro.
O que está em jogo?
É preciso definir não só se a nova legislação vai valer também para os contratos antigos como ainda se ela se aplica aos processos que já estavam em andamento ou só aos iniciados depois de 11 de novembro. As principais dúvidas se referem às custas do processo, ao pagamento de honorários e ao pedido inicial da ação.
As custas de uma ação são as taxas pagas ao Estado pelo utilização do sistema judiciário. Antes da reforma, um trabalhador só teria que pagar custas se ele não ganhasse nenhum dos pontos pedidos na ação. Ou seja, se ele tivesse entrado com processo por insalubridade e adicional noturno e ganhasse o processo em apenas um desses pontos, ele não teria que pagar essa taxa.
Tampouco, antes da reforma, o trabalhador teria que pagar honorários ao advogado da parte vencedora. Com a reforma, se um trabalhador entra com uma ação e perde todos os pontos ou uma parcela deles, ele terá que arcar proporcionalmente com os honorários do advogado do empregador.
Também as regras do pedido inicial da ação mudaram. Com a reforma, passou a ser necessário especificar o valor líquido do pedido. Por exemplo, em vez de entrar com um processo pedindo o pagamento de 100 horas extras, agora é preciso colocar o valor em reais requerido por tais horas extras.
Para Estevão Mallet, professor de direito trabalhista da Universidade de São Paulo (USP), em todos esses casos, a lei nova não pode valer para os processos anteriores à reforma. “Se eu entrei com a ação em agosto [de 2017], na lei velha, não importa que ela seja julgada agora em março [de 2018]. Não é justo que agora, quando se dá o julgamento, se aplique a regra nova.”
Por que a questão é de difícil resolução?
Chamada de direito intertemporal no jargão jurídico, a questão da validade de uma nova lei para situações anteriores à sua existência é complexa. Um exemplo disso é que, até a década de 1980, não existia o direito ao vale transporte. Ainda assim, quando esse direito passou a existir por lei, ele também passou a valer para os trabalhadores que já estavam empregados.
No caso da legislação trabalhista, o impasse ocorre porque, de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), as mudanças na lei atingem os contratos já existentes. Ao mesmo tempo, a Constituição protege o direito adquirido, ou seja, uma lei nova não pode tirar um direito que o empregado obteve com uma lei antiga.
Segundo Mallet, o que deve portanto orientar o debate não é meramente a data do contrato de trabalho. “A resposta que me parece mais correta está no meio do caminho. Alguma regras da reforma só se aplicam a novos contratos, outras se aplicam desde logo aos contratos em curso. É preciso diferenciar: quando há um direito adquirido, é evidente que a nova lei não pode prejudicar esse direito.”
Qual o peso das súmulas do TST?
As súmulas do TST não são lei, elas uniformizam a posição deste tribunal em temas que podem ser interpretados de mais de uma maneira. Apesar de não serem obrigatórias, elas costumam ser seguidas, funcionando como uma orientação aos juízes e desembargadores da Justiça do Trabalho no momento da análise dos casos. Ou seja, ainda que o TST adote posicionamento diferente do que consta na nova legislação, esse posicionamento não altera nem a reforma trabalhista nem a MP editada por Temer.
Mallet acredita que a alteração das súmulas do TST, considerando a reforma trabalhista, é positiva, pois ajuda a uniformizar decisões na primeira e na segunda instância. “Evita a incerteza que iria pairar na Justiça [do Trabalho] durante um bom tempo, até que todas as questões chegassem ao TST. Até cada questão chegar [ao TST], cada juiz vai definir de um modo. Um questão, quando é levada para diferentes pessoas, nem sempre tem uma só resposta.”
E se um juiz não seguir a súmula?
Ao entrar com um processo na Justiça, o trabalhador terá seu caso inicialmente julgado pela primeira instância, representada pelos juízes do trabalho, que atuam nas varas do trabalho.
Se após a decisão da primeira instância, o trabalhador ou o empregador recorrerem, o processo passa para a segunda instância, representada pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), onde atuam os desembargadores.
Quando o processo chega à terceira instância, ou seja, no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os ministros do TST podem reformar as decisões das instâncias anteriores caso elas não estejam de acordo com as súmulas e não tenham sido fundamentadas.
Contudo, o TST não é a última instância possível de um processo trabalhista. Depois da decisão desta corte, ainda é possível recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros do STF podem, portanto, rever as decisões do TST. Sendo assim, ainda que as súmulas orientem as decisões da Justiça Trabalhista, elas não dão a palavra final.
Ao julgar o tema, caso o STF edite uma súmula vinculante, sua decisão passa a ser obrigatória para todas as demais instâncias. Além disso, mesmo que não haja uma súmula vinculante, a tendência, segundo Mallet, é que as decisões do STF sejam seguidas para todos os casos futuros.
No entanto, para os processos já decididos em instâncias inferiores e nos quais nem o trabalhador nem o empregador recorreram até o STF, a decisão da instância inferior permanece, ainda que discordante daquela tomada pelo STF.
Fonte: Terra
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