A revista realizada em público em pertences dos empregados (sapatos, vestimentas e bonés), sob suspeita de furto de dinheiro, extrapola os limites do poder de fiscalização do empregador. Trata-se de situação humilhante e constrangedora que enseja indenização por dano moral. Assim decidiu a 4ª Turma do TRT-MG, ao manter a sentença que condenou uma empresa que submeteu seus empregados a revista vexatória a pagar indenização por danos morais a quatro trabalhadoras, no valor de R$2.000,00 para cada uma.
A versão das trabalhadoras – Todas as empregadas exerciam a função de atendente de lanchonete na empresa, que funciona no aeroporto de Confins. Elas relataram que, no dia 19.09.2014, após 00:00h, o gerente exigiu que 14 empregados comparecessem a uma reunião extraordinária, cujo assunto era a ocorrência, no local de trabalho, de um suposto furto de R$580,00 que pertencia à empresa. As trabalhadoras também informaram que, após terem suas bolsas e carteiras vistoriadas, como nada foi encontrado, o gerente, não satisfeito, mandou que todos fossem para o saguão do aeroporto, na praça de alimentação, e retirassem o sapato, meias, bonés e toucas, o que ocorreu na presença de passageiros, clientes e empregados de outros estabelecimentos. Como nada foi encontrado, elas retornaram para o trabalho, sentindo-se, entretanto, bastante humilhadas pelo constrangimento a que foram expostas. E mais: devido à suspeita de furto, sofreram pressão psicológica, sendo proibidas pelo gerente de sair da loja às 5h30, quando encerrariam o expediente. Até que, por volta das 6h40, acionaram a polícia militar para que fossem liberadas, fato comprovado pelo boletim de ocorrência juntado ao processo. Abaladas, não conseguiram continuar trabalhando na empresa e, pouco tempo depois, todas pediram demissão. Por essas razões, pediram a declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483 e e d § 3º da CLT, com o pagamento das verbas trabalhistas decorrentes, assim como o pagamento de indenização por danos morais.
A versão da empresa – Em defesa, a ré negou que as ex-empregadas tenham sido humilhadas, tratadas com rigor excessivo ou mesmo acusadas na presença de terceiros. Segundo afirmou, todos os empregados se propuserem a mostrar seus pertences, por livre e espontânea vontade, não tendo ocorrido situação vexatória ou humilhante. Por fim, a empresa negou que tenha impedido as reclamantes de deixarem o local de serviço no fim do expediente e que elas abandonaram o posto de trabalho, sem qualquer justificativa plausível.
A decisão – Em seu exame, a desembargadora Denise Alves Horta, relatora do recurso da empresa, ressaltou que o dano moral diz respeito à violação dos direitos afetos à personalidade, a bens integrantes da interioridade da pessoa, tais como a dignidade, a honra, a imagem, a intimidade, dentre outros. Ela acrescentou que, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, fica obrigado à reparação aquele que, por ato ilícito, viola direito e causa dano a outrem, ainda que de cunho exclusivamente moral, garantia que também está prevista no artigo 5º, incisos V e X, da CR/88. Em relação às revistas íntimas, a relatora explicou que a prática coloca em conflito dois direitos fundamentais: o direito à intimidade do empregado e o direito de propriedade do empregador, ambos assegurados pela Constituição Federal (CF/1988), no art. 5º, incisos X e XXII.
No caso, segundo a julgadora, a prova oral, inclusive o depoimento da própria testemunha da empresa, confirmou que, em razão do alegado sumiço do dinheiro dos cofres da empresa, as reclamantes, durante o horário de trabalho, foram submetidas a revista em seus pertences, do lado de fora da loja, quando tiraram sapatos e bonés. Apesar de a testemunha da empresa ter dito que havia pouco movimento quando isso ocorreu, a realidade é que o fato foi presenciado por pessoas que ali transitavam, o que foi confirmado pela testemunha das reclamantes, que afirmou que havia movimento no aeroporto no momento, pois havia um voo que pousava perto daquele horário, além dos taxistas.
Para a relatora, é evidente que o procedimento adotado pela empresa para a revista das empregadas foi vexatório e constrangedor, ofendendo o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado pela Constituição Federal. Não se nega o direito do empregador de preservar sua propriedade, mas a evolução tecnológica permite que outras formas de controle sejam adotadas, como, por exemplo, filmagens por meio de circuito interno, sem que se faça necessária a revista pessoal do trabalhador, sobre o seu corpo e vestimenta, destacou.
Na ótica da julgadora, mesmo que se entenda que a revista tenha sido proposta e autorizada pelas empregadas, isso não afastaria a situação humilhante a que elas foram submetidas, sendo razoável a conclusão de que elas assim agiriam apenas para se livrarem da desconfiança que sobre elas recaiu pelo sumiço de dinheiro da empresa.
O dano moral afeta a ordem interna do ser humano, o conjunto de direitos de sua personalidade, seu lado psicológico, em virtude de dor, sofrimento, tristeza, ou outro sentimento qualquer, que atinge seu íntimo e seus valores, repercutindo na vida profissional e social, registrou a desembargadora, ponderando que há casos em que o prejudicado não precisa comprovar que se sentiu ofendido ou humilhado. Segundo ela, isso ocorre quando a situação constrangedora ou angustiante é presumida, tornando-se evidente pelas próprias circunstâncias em que ocorreu, exatamente como no caso.
Adotando o voto da relatora, a Turma negou provimento ao recurso da ré e manteve a condenação da empresa de pagar indenização por danos morais, no valor de R$2.000,00, para cada uma das reclamantes. Por fim, a julgadora ressaltou que a atitude da empesa foi grave o bastante para autorizar a rescisão indireta. Tal conduta é capaz de desestabilizar a relação jurídica e comprometer a confiança que deve existir entre empregado e empregador, destacou a relatora, mantendo a sentença na parte que reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho pretendida pelas reclamantes, com o deferimento dos direitos trabalhistas decorrentes, no que também foi acompanhada pela Turma revisora.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região