Em plenário virtual, os ministros do STF decidiram que lei estadual não pode ampliar o poder de requisição da Defensoria Pública para atribuir a ela a instauração de inquérito policial. O entendimento do colegiado foi de que a norma viola a competência privativa da União para legislar sobre o processo penal. Prevaleceu no julgamento voto proposto por Alexandre de Moraes.

Prevaleceu no julgamento voto proposto por Alexandre de Moraes.

Entenda o caso

A ação foi ajuizada pela Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, que apontou inconstitucionalidade em dispositivos da LC 65/03, de MG.

Um deles é o parágrafo 3º do artigo 5º, que dispõe que “o exercício da assistência jurídica aos necessitados é privativo da Defensoria Pública”.

Segundo a Associação, os dispositivos ofendem a Constituição Federal e “padece de vício material, pois limita o acesso do cidadão hipossuficiente à Justiça e pode acarretar, até mesmo, dificuldade ao pleno exercício da defesa, no âmbito da Justiça Penal”.

A Conamp sustentou ainda que o monopólio da assistência jurídica aos necessitados seria indesejável. Em primeiro lugar, porque existem cerca de 6 mil municípios no Brasil, e em praticamente todos há necessitados de assistência judiciária, mas não existem defensores públicos em número satisfatório para atendê-los.

Assim, no entender da entidade, devem ser mantidos abertos os diversos caminhos existentes que possibilitam assistir juridicamente os necessitados.

De outra parte, a Conamp questiona dispositivo que inclui entre as competências da Defensoria Pública a de “requisitar a instauração de inquérito policial e diligências necessárias à apuração de crime de ação penal pública”.

A associação alegou que afronta o disposto no art. 22, inciso I, da CF, ao usurpar competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual.

Constitucionalidade

O caso começou a ser julgado em outubro de 2022, em plenário virtual, com voto do relator Luís Roberto Barroso. O ministro entendeu que a ação se encontra parcialmente prejudicada, visto que a lei mineira teve sua redação substancialmente alterada pelo art. 4º da LC 141/16, prejudicando a análise da constitucionalidade do inciso questionado.

“A jurisprudência desta Corte é firme e dominante no sentido de que é inadmissível a continuidade de ação direta de inconstitucionalidade em face de lei ou ato normativo já revogado, substancialmente alterado ou cuja eficácia tenha se exaurido.”

A mudança em questão acrescentou ao inciso que a “assistência jurídica integral e gratuita fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública”. Portanto, diante de tais alterações, o relator não conheceu a ação ao que se refere ao § 3º do art. 5º da LC 65/03, do Estado de MG.

O ministro também citou jurisprudência da Corte no sentido de que o inquérito policial tem natureza de procedimento administrativo, sendo, por conseguinte, de competência legislativa concorrente.

“Quanto ao tema, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a previsão legal que confere às Defensorias Públicas o poder de requisitar informações e documentos de órgãos públicos e privados não interfere no equilíbrio da relação processual. Na discussão do caso, prevaleceu o entendimento de que tais prerrogativas são ferramentas importantes para a execução das funções atribuídas constitucionalmente à Defensoria.”

Por fim, o ministro ressaltou em seu voto que o fortalecimento da Defensoria Pública contribui para a defesa de direitos fundamentais daqueles que mais precisam e que merecem especial atenção pelo Estado.

Assim, Barroso conheceu parcialmente a ação e julgou improcedente o pedido. A ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator.

Na ocasião, o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Voto-vista

O caso foi retomado no plenário virtual no dia 3 de março com divergência parcial inaugurada por Moraes.

S. Exa. concordou com o relator com a perda de objeto em relação ao artigo 5º, § 3º, da norma impugnada.

Divergiu no que tange à previsão de requisição de instauração de inquérito policial. Para Moraes, o tema é de competência privativa da União, sendo disciplinado no art. 5º do Código de Processo Penal.

“O poder de requisição de instauração de inquérito policial está intrinsecamente ligado à persecução penal no país e, justamente por isso, requer disciplina uniforme no território brasileiro, por expressa previsão constitucional. (…) Nesse cenário, viola o art. 22, I, da Constituição, norma estadual que, indo de encontro à disciplina processual editada pela União, amplia o poder de requisição para instauração de inquérito policial para conferir tal atribuição à Defensoria Pública.”

Moraes foi acompanhado por André Mendonça, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Nunes Marques e Rosa Weber.

Barroso foi acompanhado por Edson Fachin e Gilmar Mendes.

Processo: ADIn 4.346

Fonte: Migalhas